A Consulta Pública nº 122/2025 e a maturidade contábil do mercado cripto
- Ana Paula Rabello
- 25 de jun.
- 4 min de leitura

Em junho de 2025, o Banco Central do Brasil publicou a Consulta Pública nº 122/2025, com propostas de resoluções que visam disciplinar o tratamento contábil de ativos virtuais e tokens de utilidade por instituições financeiras e demais entidades autorizadas a funcionar pelo Bacen.
Embora em estágio de minuta, o texto é técnico, claro e extremamente alinhado com a realidade operacional do mercado de criptoativos — o que já representa um avanço notável frente ao atraso normativo que, por muitos anos, marcou o ambiente contábil desse setor.
A minuta propõe que:
Criptoativos adquiridos devem ser reconhecidos pelo custo;
Criptoativos recebidos por prestação de serviços (como staking e mineração) e criptoativos recebidos de forma gratuita (como o airdrop) devem ser reconhecidos a valor justo;
A mensuração subsequente seja feita mensalmente, com base no valor justo, sendo os ganhos e perdas reconhecidos no resultado do período;
Tokens de utilidade e NFTs sejam mensurados pelo custo líquido das provisões;
Ativos emitidos, custodiados ou utilizados pela própria instituição sigam regras específicas para evidenciação, com a criação de passivos, registros em contas de compensação ou reconhecimento de receita, conforme o caso.
A minuta exige ainda o detalhamento em notas explicativas — incluindo quantidade de ativos, variações por natureza, níveis de valor justo e impactos no resultado.
O que impressiona positivamente não é apenas o conteúdo técnico da norma, mas a abordagem e a percepção de que o Bacen compreendeu como os criptoativos operam na prática, e não apenas na teoria. A proposta trata com precisão temas como a custódia descentralizada, a mensuração de ativos sem mercado ativo e, sobretudo, a obrigação de reconhecimento contábil quando a instituição utiliza ativos de terceiros. Isso é, na essência, uma defesa da segregação patrimonial.
E aqui, confesso: como contadora e guarda-livros que sou, isso me agrada profundamente. Sempre fui defensora de uma contabilidade mais transparente por parte dos prestadores de serviços em criptoativos. Inclusive, critiquei abertamente toda a ladainha em torno das chamadas “provas de reservas” — que nos levou a um desvio tecnológico gigantesco para tentar resolver um problema que poderia ser solucionado de forma muito mais simples: com registros contábeis adequados e com a devida responsabilização técnica por quem assina os livros.
Se faltava uma norma que dissesse isso com todas as letras, ela começa a nascer aqui.
Pontos sensíveis: valor justo e reflexos fiscais
Um ponto mais sensível — e que precisa ser abordado pelas instituições — é que os ganhos registrados a valor justo no resultado passam, por padrão, a compor a base do IRPJ e da CSLL. A saída para isso, em tese, está na aplicação do art. 13 da Lei 12.973/2014: se o ganho for lançado em subconta vinculada ao ativo, pode ser diferido para o momento da realização (venda, baixa, amortização, entre outros). Caso contrário, o tributo é imediato.
É verdade que a minuta é clara ao dizer que os ganhos e perdas devem ser levados ao resultado. Mas, como contadora e tributarista, confesso: me cheira a uma certa dúvida. A proposta fala em “computar no resultado”, mas não define como isso deve se refletir nas contas — se como receita operacional, como ajuste de avaliação patrimonial, ou se admite evidenciação por subconta.
Como a minuta trata da dimensão contábil — e não fiscal — isso pode abrir margem para interpretações diferentes entre empresas, auditores e Receita Federal. Não está claro, por exemplo, se o Bacen exigirá que esse resultado impacte diretamente a conta de lucros acumulados, ou se permitiria a manutenção do ajuste em reservas ou subcontas sem efeito imediato na apuração do lucro real.
Ainda assim, entendo que, se adotado o COSIF no futuro para as empresas de criptoativos autorizadas pelo Bacen, esse ponto será definido pela função e funcionamento das contas permitidas.
📌 Recomendação técnica: antes de adotar subconta vinculada ao ativo, conforme art. 13 da Lei 12.973/2014, para fins fiscais, procure orientação junto aos auditores da empresa.
Mais do que prudência: é segurança jurídica.
Pessoalmente, essa proposta não me surpreende. Em julho de 2022, publiquei o livro Como Contabilizar Bitcoin e Outros Criptoativos, onde reuni a leitura dos melhores especialistas do mercado — nacional e internacional — e, principalmente, acrescentei minha visão prática, construída na operação real. Nada de teoria descolada.
Naquela época, já defendia a necessidade de estruturação contábil por meio de contas de compensação, evidência segregada, controle por tipo de ativo e reconhecimento técnico dos efeitos econômicos dos criptoativos — mesmo quando eles ainda não figuravam no balanço das empresas.
Ainda que hoje as propostas da consulta se restrinjam às instituições financeiras, é nelas que eu já enxergava, em 2022, as respostas mais técnicas para muitas das operações com cripto. A leitura contábil que o Bacen está propondo agora é compatível com a prática, completamente factível para a realidade das prestadoras de serviços de ativos virtuais — e isso precisa ser reconhecido.
A Consulta nº 122/2025 é um passo concreto rumo à maturidade contábil do mercado de ativos digitais no Brasil. Ela mostra um regulador que entendeu o que o mercado pratica.
A contabilidade é o primeiro passo da transparência.
E a criptoeconomia só vai ganhar legitimidade quando for também registrada com técnica e responsabilidade.
Por Ana Paula Rabello
A reprodução deste artigo é permitida mediante a citação do Declarando Bitcoin e a inclusão do link direto para o texto original.
Vem com a gente para mais!
Se você está à procura de estratégias eficazes e orientações personalizadas de um contador especializado, não hesite em entrar em contato conosco. Estamos prontos para oferecer soluções sob medida que atendam às suas necessidades específicas.
Chama no WhatsApp 📲 + 55 (51) 99520-7881
Comments